E se Fidel Castro tivesse perdido?
(Ya se ha declarado el vencedor de la Revolución Cubana. Vea los resultados oficiales en la página web del Tribunal Supremo Popular de Cuba.)
[CORTE PARA: No topo de um prédio cubano. Um bolo de aniversário para HYMAN ROTH é levado para ele e um pequeno grupo de pessoas. O bolo tem um desenho de Cuba.]
(...)
CONVIDADOS: Feliz Aniversário!
MICHAEL: Eu vi uma coisa interessante acontecer hoje. Um rebelde estava sendo preso pela Polícia Militar e, para não ser capturado com vida, explodiu uma granada que havia escondido no casaco. Ele se matou e levou um capitão do comando com ele.
[ROTH parece preocupado]
JOHNNY OLA: Esses rebeldes, você sabe, eles são lunáticos.
MICHAEL: Talvez sim — mas ocorreu-me o seguinte. Os soldados são pagos para lutar — os rebeldes não.
ROTH: O que isso lhe diz?
MICHAEL: Que eles podem vencer.
~ O PODEROSO CHEFÃO: PARTE II
[MUSIC CUE: “Guantanamera” by Mariachi Real de San Diego]
Na noite de 31 de dezembro de 1958, as preocupações de Michael Corleone se mostrariam justificadas. É no segundo filme da trilogia de Francis Ford Coppola que o filho mais novo de Vito Corleone teve o privilégio de testemunhar um acontecimento histórico. O mafioso fictício estava em Cuba, e era um convidado na festa de Ano Novo em que o presidente Fulgêncio Batista anunciou que fugiria daquele país na madrugada do dia primeiro de janeiro. Não restava outra opção ao líder cubano, pois Santa Clara, a última cidade entre Havana e os revolucionários liderados por Fidel Castro, havia se rendido para as forças combinadas de Che Guevara, Camilo Cienfuegos e outros líderes rebeldes. Com o exército cubano derrotado e desmoralizado, não demorou mais do que dois dias do novo ano para que os rebeldes entrassem em Havana sem qualquer resistência, e assumissem o controle do país. Fidel Castro, por sua vez, entraria em Havana no dia 8 de janeiro.
O regime que começou em janeiro de 1959 foi o resultado de uma guerra de guerrilha cujos primeiros movimentos iniciaram seis anos antes, em 1953. Nesse ano, as primeiras tentativas dos rebeldes fracassam e Fidel, junto com seu irmão Raúl, foram capturados pelas forças de Batista. No entanto, alguns anos mais tarde, eles acabaram sendo incluídos, de última hora, em uma lista de anistia de prisioneiros políticos. Uma vez soltos, eles partem para o México, onde começam a se preparar para voltar à ilha.
Em 1956, os irmãos Castro retornam para Cuba a bordo do iate Granma, desembarcando no extremo sul da ilha principal de Cuba, bem longe da capital. Após algumas dificuldades logo no desembarque, os revolucionários criam a guerrilha nas montanhas de Sierra Maestra, a qual finalmente conseguiria fazer frente as forças leais ao governo. Depois de dois anos de conflitos e avanços paulatinos de cidade em cidade, Fidel, com ajuda do argentino Che Guevara, inicia em 1959 o regime ditatorial mais longo da América Latina. A Cuba de Fidel é reconhecida por boa parte de detratores e admiradores como a experiência socialista mais importante do continente.
Ao nos debruçarmos sobre quaisquer acontecimentos decisivos da história da humanidade, da civilização, de um país ou até mesmo de biografias pessoais, é natural fazermos para nós mesmos a pergunta “e se?”. E se Fidel tivesse perdido? Suponha que uma tempestade tivesse afundado o Granma, fazendo com que os náufragos — Fidel Castro e seus camaradas — fossem capturados pela segunda (e última) vez por forças leais ao Fulgêncio Batista, destruindo completamente qualquer esperança de uma revolução. Se isso tivesse ocorrido, o que seria Cuba hoje? Ou, talvez mais especificamente, Cuba seria mais ou menos economicamente desenvolvida? Havana sem Castro está mais para Bedford Falls ou Pottersville?
Mesmo que os leitores saibam das dificuldades envolvidas em recuperar contrafactuais, certamente uma parte importante de vocês imaginam que a resposta para essa pergunta seja óbvia. “Cuba é um país pobre”, diria alguém, “veja as fotos das cidades, os barcos improvisados dos refugiados fugindo para Miami em um mar infestados de tubarões, a escassez de todo tipo de produto…”. É verdade. Cuba não é um bom país para se morar. Mas, como diz o ditado, não há nada tão ruim que não possa piorar. Ou melhor dizendo, não há nada tão ruim que não poderia ser pior. A questão é saber se Cuba seria mais ou menos pobre sem a revolução de 1959.
Uma Cuba artificial (os anos 80 ligaram e eles querem o sintetizador de volta)
[MUSIC CUE: “Axel F” by Harold Faltermeyer]
Como todo acontecimento histórico, o mundo onde Cuba não se tornou socialista foi aniquilado no exato momento em que as forças revolucionarias desfilaram nas ruas de Havana naquele 2 de janeiro. No entanto, suponha que, por alguma espécie de milagre, nós pudéssemos observar a versão da história em que a revolução não ocorreu. Com as duas versões na nossa frente, paralelas uma a outra, podemos compará-las e ver em qual das duas Cuba é menos desenvolvida. Como critério de comparação, a medida de desenvolvimento mais simples que podemos utilizar é o quanto cada cubano receberia se eles dividissem igualmente entre eles todos os bens e serviços finais que o país conseguiu produzir em um ano, ou seja, o Produto Interno Bruto per capita (PIB per capita). Observando os “PIBs” per capita de “Cuba com revolução” e de “Cuba sem revolução” (a Cuba que obviamente não existe), poderíamos compará-los e responder em qual dos dois mundos Cuba é mais rica.
O exercício descrito seria o ideal, mas o problema é que ele depende do tal milagre que, pelo menos até agora, não aconteceu. A melhor alternativa ao milagre é tentar produzir artificialmente uma “Cuba sem revolução” que seja parecida o bastante com aquela que existe apenas idealmente. Existem muitas formas de fazer isso e algumas são melhores do que outras. Uma solução simples seria comparar Cuba real com algum outro país que não tenha tido uma revolução socialista em 1959. Esse país tem que ser muito parecido com Cuba em tudo que seja relevante para afetar o PIB per capita e, ao mesmo tempo, a chance de ter uma revolução socialista ali. Embora essa seja uma solução válida, ela é complicada de ser implementada de maneira convincente. Mesmo que exista algum país que se encaixe na categoria mencionada, nós sequer teríamos a capacidade de encontrá-lo com certeza. Podemos sugerir um ou outro país1, mas sempre haverá uma dúvida razoável sobre se é legítima essa escolha ou não.
Veja, caro leitor, a nossa missão é produzir artificialmente uma “Cuba não socialista”. É improvável que ela exista naturalmente por aí, dando sopa no seu atlas geográfico escolar. É muito mais provável que a “Cuba não socialista” esteja espalhada no atlas, com pequenas partes dela em países específicos. Assim como você é uma mistura do seu pai e da sua mãe, o PIB per capita de “Cuba sem Fidel” pode ser uma mistura da Costa Rica com o México e o Uruguai, por exemplo. O nível de riqueza da Cuba contrafactual (Cuba sem revolução), portanto, poderia ser construída a partir de pedaços de vários países. Agrupando e combinando países seria possível sintetizar uma Cuba fictícia, uma Cuba sintetizada ou, em outras palavras, uma Cuba Sintética.
CUBA SINTÉTICA À MODA ABADIE
A receita para construir uma Cuba Sintética é simples. Antes de mais nada, você vai precisar de uma base dados. Dados sobre os países da América Latina para um período que inclua anos anteriores e posteriores a revolução de 1959. Além do PIB per capita, essa base de dados precisa conter informações relevantes do país como, por exemplo, taxa de analfabetismo, uso de energia elétrica, informações demográficas e etc.
Com essas informações disponíveis, você vai olhar os dados dos países da América Latina apenas para o período anterior a revolução. Note que, nesse período, nenhum país, nem mesmo Cuba, era socialista2 ou governada por Fidel Castro. Nesse recorte temporal existem Cuba e os "países que não são Cuba". Esses países são aqueles cujas séries de PIB per capita potencialmente serão utilizadas para a construção da série da Cuba Sintética.
Para saber quais são os países que vão contribuir (e o quanto vão contribuir) “doando” seus PIBs per capita, você vai precisar de uma regra. A regra é simples: você vai usar a combinação de países nas proporções que geram a Cuba Sintética mais parecida com a Cuba real antes da revolução. Por exemplo, uma combinação possível é misturar 13% da Costa Rica, 26% do Chile, 22% de Honduras e 38% de El Salvador. O PIB per capita da Cuba Sintética será uma combinação do PIB per capita de cada um desses cinco países respeitando essas proporções. Na prática, quem faz essa conta para você é o computador, claro, seguindo o modelo que você definiu previamente.
O PIB per capita ao longo de todos anos da Cuba Sintética é o de uma Cuba que não experimentou a revolução em 1959, pois os países que doaram seus PIB per capitas para sintetizá-lo nunca passaram por essa revolução. Por isso, antes de 1959, “Cuba real” e Cuba sintética são, em tese, a mesma coisa e, portanto, as trajetórias dos PIBs per capita de ambas deveriam ser parecidas (na verdade, idênticas idealmente). Nós sabemos que Cuba Sintética é um bom previsor do PIB per capita de “Cuba real” antes da revolução, pois a regra usada para criá-la tinha justamente esse critério. Além disso, o que é mais importante: não existe motivo algum para imaginar que esse PIB per capita sintético também não seja um bom previsor para o período pós revolução, exceto pelo fato de que a revolução ocorreu na “Cuba real”. Ou seja, se Cuba Sintética era muito parecida com “Cuba real” até 1959 e, a partir desse ano, elas começarem a divergir uma da outra, a explicação mais plausível para essa divergência é justamente a revolução liderada por Fidel.
Ok, ok… TLDR; Apenas mostre-me os resultados
Alguns colegas e eu utilizamos essa e outras metodologias para construir Cubas contrafactuais (isto é, Cubas onde a revolução não ocorreu). O estudo foi publicado e existe um gráfico que resume o seu ponto central. Na figura abaixo, há um gráfico cujo eixo vertical marca os valores de PIB per capita3 e o eixo horizontal o tempo medido em anos. Além disso, existem seis linhas com informações de PIB per capita e duas retas vermelhas verticais que marcam os anos de 1959 e 1991.
A linha azul mostra a evolução do PIB per capita da “Cuba real” ao longo dos anos. As outras linhas mostram a evolução do PIB per capita das Cubas fictícias (contrafactuais), isto é, onde nunca ocorreu revolução, estimadas de cinco maneiras diferentes. A linha com bolinhas, por exemplo, é apenas o PIB per capita da Costa Rica, ou seja, assumindo que esse país seria uma comparação natural para Cuba. A linha com cruzes é a Cuba Sintética, construída utilizando os seguintes pesos: 13% da Costa Rica, 25,9% do Chile, 22,5% de Honduras e 38,5% de El Salvador. As demais Cubas contrafactuais foram estimadas a partir de outros métodos, os quais o leitor interessado pode encontrar no artigo.

Observe como até 1959 a linha azul e as outras cinco andam juntas umas com as outras. Isso significa que os PIBs per capita das Cubas contrafactuais (aquelas que nunca passaram por uma revolução socialista) fizeram um bom trabalho em prever o PIB per capita da “Cuba real” até 1959. Se o trabalho “foi bem feito” entre 1920 e 1959, é razoável imaginar que ele continuaria assim após 1959, a menos que algo tenha acontecido a partir daquele momento com “Cuba real”. A diferença entre o PIB per capita contrafactual e o real a partir de 1959 tem que ser explicada pelo que aconteceu dali para frente. Sabemos que é a revolução cubana.
Olhe agora para a linha azul e para as outras cinco linhas no período entre 1959 até meados de 1970. Todas as cinco linhas estão acima da linha azul. Isso significa que, nesse período, o nível de renda per capita de todas Cubas contrafactuais (as que não tiveram revolução) são maiores do que a “Cuba real”. Na ausência da revolução, portanto, Cuba teria um nível de renda per capita maior do que observado4.
Isso é especialmente verdade ao longo dos anos 60. A economia cubana estagnou nesse período por vários motivos. Incialmente houve uma tentativa fracassada de reduzir a dependência cubana em relação ao açúcar, combinada com uma tentativa de “industrializar o país”. Isso deu errado e durou pouquíssimo tempo. Ademais, modelo econômico socialista cubano dessa época foi influenciado pelas opiniões de Che Guevara. Toda economia cubana, desde a produção de cana-de-açúcar até a padaria da esquina, foi estatizada. Com a estatização total, inexoravelmente surge o problema de como alocar eficientemente os recursos, pois, sem preços refletindo escassez relativa, não há sinais nem incentivos para guiar a produção. Na visão do “novo homem socialista” de Guevara, até mesmo os parcos incentivos “econômicos” que a URSS utilizava na sua economia foram rejeitados em prol de incentivos “morais”. Não deu certo.
A retomada que você pode enxergar a partir dos anos 70 (novamente, veja a linha azul) se dá por dois motivos e os dois tem relação com a URSS. O primeiro foram os acordos comerciais com os soviéticos, que envolviam a exportação de açúcar cubano a um preço acima da cotação internacional e a importação de petróleo soviético a um preço subsidiado. O segundo motivo foi a mudança na organização econômica em direção de maior descentralização e a adoção de práticas soviéticas de administração econômica, ou seja, o abandono do modelo de Che Guevara.
Ei, ei espere... Mas e o embargo econômico?
O problema desses exercícios contrafactuais é que eles nos dão os efeitos combinados das coisas. Veja, a revolução cubana em 1959 mudou quase todos os aspectos da realidade daquele país. Além da estatização da economia, da mudança no regime político e outras alterações institucionais, também aconteceram alterações geopolíticas significativas. Os empresários americanos (alguns deles atuando no mesmo ramo de Michael Corleone, diga-se de passagem) tinham muitos investimentos ali. As relações entre Cuba e os Estados Unidos se deterioraram significativamente, principalmente quando Fidel Castro começou um alinhamento mais definido com o bloco soviético. A consequência disso foi a implantação de um embargo econômico cada vez mais restritivo imposto pelos EUA, cujo ápice foi atingido em 1962.
O embargo certamente prejudicou e prejudica Cuba5. O comércio internacional permite o acesso a bens e serviços que, ou são muito caros de produzir, ou não podem ser produzidos no país. A abertura comercial aumenta a eficiência econômica, ou seja, permite que o país consiga produzir e consumir mais bens e serviços usando a mesma quantidade de recursos. Economia fechada é ruim. A questão é saber o quão prejudicial foi o embargo no caso de Cuba.
Uma forma de fazer isso é olhar para as exportações de “Cuba real” ao longo do tempo e compará-las com as exportações das Cubas contrafactuais. Fazendo isso, percebemos que “Cuba real” teve um nível de exportações menor do que todos os contrafactuais, principalmente na década de 1960 (se quiserem ver o gráfico que mostra isso, entrem nessa nota de rodapé6). A diferença começa a cair a partir da segunda metade dos anos 60, quando os acordos comerciais com a União Soviética começam a surtir efeito. Assim, os indícios sugerem que a diferença no nível de renda per capita entre “Cuba sem Fidel” e “Cuba com Fidel” é um efeito combinado da revolução em si e do embargo econômico. Em outras palavras, a diferença é explicada por um efeito direto (o regime de Fidel Castro) e por um indireto (o embargo econômico americano).
Eu tenho certeza que agora o leitor deve estar se perguntando “ok, mas qual dos dois efeitos importa mais?”. O estudo tenta responder essa pergunta de uma forma criativa7 e resultado encontrado é que, entre 1960 e 1970, os efeitos direto (revolução) e indireto (embargo) são de magnitudes similares, ou seja, o efeito deles na redução da renda per capita de “Cuba real” foram parecidos. No entanto, a partir dos anos 70, quando Cuba se beneficia dos acordos com a URSS, a contribuição do embargo perde força. Em resumo, o embargo é importante, mas não explica tudo. Na verdade, não explica nem sequer a maior parte da diferença.
“Ninguém come PIB” (sic)
Depois dessa longa resposta para a pergunta “como seria Cuba se Fidel tivesse perdido?”, o leitor pode chegar até aqui insatisfeito. Afinal, a pergunta é ampla e, embora eu a tenha delimitado melhor, focando apenas no desenvolvimento econômico, talvez existam dimensões importantes que não foram contempladas até aqui. Por exemplo, é possível que o regime cubano não estivesse tão preocupado com o nível de renda per capita do país, mas sim com o desenvolvimento social da população. Logo, a pergunta relevante, nesse caso, seria algo como “como seria o desenvolvimento social de Cuba se Fidel tivesse perdido?”.
Os economistas Vincent Geloso e Jamie Pavlik tentam responder essa pergunta em um trabalho no mesmo espírito do estudo sobre o PIB per capita. A diferença é que, ao invés de olhar para uma medida de nível de renda, os autores olham para a mortalidade infantil. A ideia aqui é investigar se a saúde cubana — na medida em que ela impacta a mortalidade infantil — teria melhorado ou piorado com a revolução de Fidel Castro. A questão é interessante, pois, ao mesmo tempo em que a saúde cubana após a revolução é elogiada por admiradores do regime, há também que se levar em conta que os indicadores sociais de Cuba pré-revolução não eram exatamente ruins, muito pelo contrário. Logo, trata-se de uma questão empírica relevante: a revolução reduziu a mortalidade infantil ou não?
O resultado principal do trabalho de Geloso e Pavlik é resumido na figura abaixo. Nela, há um gráfico que marca a mortalidade infantil no eixo vertical e os anos no eixo horizontal. No gráfico, existem duas linhas que mostram a evolução da mortalidade infantil em um período que inclui o ano 1959, assinalado pela linha pontilhada vertical. A linha tracejada é a evolução da mortalidade infantil da Cuba contrafactual (sem a revolução ter ocorrido), já a linha sólida é a evolução do mesmo indicador, mas para “Cuba real”.

Pelo menos três coisas chama atenção nesse gráfico. A primeira delas é que, antes de 1959, Cuba real já apresentava uma considerável melhora em relação a mortalidade infantil. A tendência era de redução da mortalidade entre a metade da década de 40 e o final da década de 50. A segunda coisa que chama atenção é que a mortalidade infantil de Cuba contrafactual (linha tracejada) acompanha a de “Cuba real” até 1959. Isso é o que se espera, afinal, antes de 1959 as duas Cubas — real e contrafactual — não eram afetadas pela revolução cubana. Porém, após 1959, a mortalidade infantil das duas Cubas tomam rumos completamente diferentes. Na “Cuba real”, impactada pela revolução, a mortalidade começa a aumentar rapidamente ao longo dos anos 60. Por outro lado, a mortalidade infantil de Cuba contrafactual continua na mesma tendência de queda até os anos 70. Ou seja, pelo menos na primeira década da revolução, o indicador de saúde analisado vai muito pior do que teria ido na ausência da revolução. Por fim, o terceiro elemento que precisa ser destacado é que, a partir de 1970 — quando o auxílio soviético ganha importância —, a mortalidade infantil de “Cuba real” começa a cair e a de Cuba Sintética começa a subir até atingir um nível próximo ao da primeira.
Bem, então como seria o desenvolvimento social de Cuba se Fidel tivesse perdido? Os indícios mostram que, pelo menos no quesito mortalidade infantil, ele seria bem melhor do que o de “Cuba real” nos primeiros quinze anos da revolução cubana. Após esse período, com o auxílio soviético e com piora da mortalidade infantil de Cuba contrafactual, os níveis de mortalidade se aproximam. Segundo os autores, essa diferença entre Cuba real e Cuba contrafactual nesses quinze anos iniciais representam um excesso de mortes de 40 a 50 mil crianças8.
**
De volta para 31 de dezembro. Quase meia-noite
[CORTA PARA: O Dance Hall onde todos festejam e jogam confetes para o ar. A banda toca Guantanamera. Todos se abraçam e se beijam. MICHAEL vai até o irmão e o abraça.]
MICHAEL: (sussurrando no ouvido de FREDO) Tem um avião nos esperando para nos levar para Miami em uma hora, certo? Não faça muito alarde."
[Ele pega FREDO pelos dois lados do rosto e o beija na boca]
Eu sei que foi você, FREDO — você partiu meu coração — você partiu meu coração!
No filme, Michael e seu irmão Fredo conseguiram fugir da ilha naquela noite, assim como Fulgêncio Batista e seus familiares na vida real. A esmagadora maioria da população cubana, não entanto, não teve a mesma sorte. Para elas, restou apenas encher câmaras de ar de pneus usados, boias de piscina e praticar boxe contra tubarões no oceano atlântico — sempre fazendo a pergunta: Amigo, ¿qué tan lejos estamos de Florida?
Os economistas Marianne Ward e John Deveraux, por exemplo, utilizaram a Costa Rica para comparar com Cuba por serem países próximos e com características relativamente semelhantes antes de 1959. Segundo estimativas dos autores, em 2000, Cuba teria um PIB per capita equivalente a 43% de Costa Rica. Para comparação, em 1955 (antes da revolução), as estimativas dos autores colocam o PIB de Cuba como sendo 68% maior do que o da Costa Rica. Ou seja, um caso clássico de reversal of fortune.
Claro, se existir algum país que seja socialista, você precisa retirá-lo. Por exemplo, se a URSS estivesse na sua base de dados, ela precisaria cair fora.
Na verdade, o logaritmo do PIB, mas deixa pra lá.
John Devereux chega a uma conclusão parecida usando uma metodologia e critérios distintos em seu artigo “The Absolution of History: Cuban Living Standards after 60 years of Revolutionary Rule”.
Afinal, é justamente esse o propósito de um embargo econômico.
A ideia para separar os dois efeitos é simples: Sabemos que a renda de um país é afetada pelas exportações dele. Para encontrar o PIB per capita das Cubas contrafactuais, foi utilizado as exportações reais de Cuba e não as que ela teria na ausência de um embargo econômico. Logo, uma forma de tentar filtrar o efeito do embargo no PIB per capita contrafactual é utilizar não as exportações reais, mas sim as exportações contrafactuais, isto é, as que existiriam caso Cuba não tivesse passado pela revolução. A diferença entre esses dois PIB contrafactuais nos dão uma ideia do efeito direto da revolução, sem o embargo econômico. Mais detalhes podem ser encontrados no artigo.
Ainda segundo os autores, essa é uma estimativa conservadora, pois é sensível ao conjunto de países “doadores”. No apêndice do artigo, mas especificamente na Figura 2, o excesso de mortalidade é muito maior quando se inclui no conjunto de países doadores outros países além dos da América Latina.