Quem foi João Rodrigues de Brito?
De certa forma, o Brasil vive sempre o mesmo dia — todo dia.
[Lanchonete. Phil e Rita sentam-se juntos na mesma mesa de antes.]
PHIL: “Rita, estou revivendo o mesmo dia sem parar. O Dia da Marmota. Hoje.”
RITA: [completamente cética] “Ok. Estou esperando a piada.”
PHIL: “Não. Realmente. Esta é a terceira vez. É como se ‘ontem’ nunca tivesse acontecido.”
— Groundhog Day (1993)
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[MUSIC CUE: “I Got You Babe” by Sonny and Cher]
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Em 12 de maio do ano de 18071, a pedido do príncipe regente, o governador da capitania da Bahia, Conde da Ponte, pediu para a Câmara da capital um parecer sobre a situação econômica da capital, Salvador. O relato deveria ser capaz de responder cinco perguntas, as quais foram elencadas na forma de artigos. Assim eram as perguntas que constavam no ofício do governador:
"1º Se reconhecem nesta Cidade alguma causa opressiva contra a Lavoura? Qual seja esta causa, e o meio dela se evitar?
2. Se a mesma lavoura tem recebido progressivo aumento, de que tanto depende a prosperidade do Comércio desta Capital, e qual o motivo favorável, ou desfavorável a êste respeito.
3.º Se o Comércio sofre algum vexame, qual êle seja e se será conveniente ao mesmo Comércio particular desta praça, desoprimí-lo dêle sem risco de outro maior dano.
4.º Se os diferentes exames sôbre a bôa qualidade dos gêneros de exportação desta Colônia, e mais cautelas, que se praticam a respeito dos mesmos gêneros, se podem considerar úteis, ou nocivas ao progresso do Comércio.
5. Se o Lavrador desobrigado dêstes exames, e o Negociante na liberdade de convencionar-se nos preços dos gêneros com o mesmo Lavrador, promoverão melhor seus recíprocos interesses.”
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.45-46
Em outras palavras, o governador queria saber quais eram os entraves para a produção naquela capital e, caso existissem, saber como resolvê-los. Os vereadores de cidade decidiram chamar um desembargador chamado João Rodrigues de Brito para que ele respondesse as perguntas na forma de um parecer. O desembargador fez sua resposta na forma de uma carta, dividindo-a entre as cinco perguntas. A resposta ao primeiro quesito é um dos primeiros registros existentes de uma análise econômica sobre problemas brasileiros no século XIX.
A Resposta
João Rodrigues começa metodicamente sua resposta para a primeira indagação do governador. Confirmando que reconhecia a presença de “causas opressivas contra a Lavoura” na Bahia, ele decide apresentá-las seguindo a metodologia “dos melhores economistas” de sua época. Para saber quais são as causas “opressivas”, antes era necessário saber quais são, segundo ele, os elementos necessários para a prosperidade. Ele os separou em três categorias: Liberalidades, Facilidades e Instruções.
Liberalidades
Segundo o desembargador, as “liberalidades” que os lavradores precisavam seriam as seguintes:
1º a de cultivar quaisquer gêneros, que bem lhes parecesse; 2º a de construir quaisquer obras, e fábricas que julgassem convenientes para o aproveitamento de seus frutos; 3º a de os mandar vender em qualquer lugar, por qualquer caminho, e pelo ministério de quaisquer pessoas, de que se quisessem servir, sem ônus, ou formalidade; 4º a de preferir quaisquer compradores que melhor lhes pagassem; 5º finalmente a de os venderem em qualquer tempo que lhes conviesse. Desgraçadamente em nenhum destes artigos a logram os Lavradores desta Capitania;
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.53
O João Rodrigues dá exemplos para cada um dos itens mencionados. O primeiro deles é infame. Ao lermos sua descrição, não podemos deixar de notar a maneira banal sobre como o desembargador aplica princípios de economia em situações que envolvem escravos. Em 1807, a principal mão-de-obra utilizada no cultivo das commodities para exportação eram as pessoas capturadas no continente africano, as quais eram sequestradas e vendidas como se fossem mercadoria em um mercado internacional. No caso do Brasil colônia, segundo o desembargador, haviam leis e provisões exigindo que todos Lavradores do recôncavo baiano cultivassem quinhentas covas de mandioca para cada escravo que trabalhasse em suas terras. O protesto de Rodrigues de Brito contra essa política era puramente de eficiência econômica.
Segundo o desembargador, o problema era o elevado custo de oportunidade de se plantar mandioca, um produto de baixo valor, em uma terra fértil para o cultivo de produtos de alto valor como cana, algodão e tabaco. Nem em toda terra se podia plantar as commodities caras, ao passo que a mandioca podia-se plantar em qualquer lugar. Nas terras férteis, portanto, para cada cova de mandioca que se plantasse, se estaria abrindo mão de plantar um outro produto cujo valor era maior. Nesse sentido, segundo Rodrigues de Brito, fazia mais sentido econômico que os produtores de cana e tabaco comprassem a mandioca (ou a farinha de mandioca) no mercado. De fato, o próprio mercado de mandioca e de farinha era pouco desenvolvido, segundo ele, por causa da exigência mencionada, afinal, aqueles próprios regulamentos retiravam uma parte significativa da demanda pelo produto. Com o preço baixo, não havia incentivo para o desenvolvimento de um mercado robusto de farinha de mandioca.
Embora seja uma curiosidade para a história do pensamento econômico que João Rodrigues tenha começado sua explanação da mesma forma que em um livro de introdução à economia — falando sobre tradeoffs e custos de oportunidade —, essa curiosidade fica em segundo plano, pois não podemos ignorar a matéria do exemplo utilizado pelo desembargador. Naquela época, falava-se naturalmente de escravos como propriedade e aplicava-se a estrita racionalidade econômica em assuntos que os envolviam. A mão-de-obra cativa recebia quase o mesmo tratamento que outros insumos e equipamentos inanimados. Eu escrevo “quase”, pois, em sua resposta, Rodrigues de Brito argumentará em favor do fim da “escravidão perpétua”:
A perpetuidade da escravidão, cuja consideração basta para abater o espírito dos escravos, e lançá-los em uma inércia fatal. Se êstes desgraçados descobrissem um termo ao seu triste estado, e pudessem, ainda antes dêle, remir-se do cativeiro mediante o justo preço adquirido por serviços relevantes, ou por assíduo trabalho nos dias, que lhes são dados para o descanso, a consoladora esperança dessa felicidade animaria suas atividades. O Estado ganhando um considerável acréscimo de trabalho, e indústria, veria ir diminuindo o número daqueles infelizes à medida que fossem recuperando suas liberdades convertidos em homens livres, tanto mais úteis, quanto maior é o interêsse que tem na ordem social, e o gráu de inteligência, que se adquire com a prática da livre administração da própria pessoa, e bens.
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.99
Embora exista nesse trecho um reconhecimento do valor da liberdade, note que a defesa da flexibilização da escravidão, pelo menos nesta carta, é apenas de natureza instrumental. Segundo Rodrigues de Brito, os escravos seriam mais produtivos (“animaria suas atividades”) se eles tivessem a esperança de conquistar a liberdade. Novamente, o desembargador está aplicando a racionalidade econômica ao problema de aumentar a produção. Ao dar a oportunidade do escravo comprar sua própria liberdade, o produtor dividia “o risco” do resultado da lavoura com ele e, portanto, o incentivava a se esforçar mais.
É difícil encontrar na resposta de Rodrigues de Brito uma objeção moral a instituição da escravidão. Esses trechos da resposta de Rodrigues de Brito nos dão uma lição importante sobre a racionalidade instrumental. Em princípio, é possível aplicar os princípios de economia em qualquer situação em que se envolvem escolhas. O conteúdo das escolhas pode ser imoral ou moral. No entanto, até que ponto pode-se discutir de forma banal a eficiência econômica de escolhas imorais2?
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Passando ao segundo item das Liberalidades, o desembargador destaca a dificuldade de conseguir abrir novos engenhos para a moagem da cana-de-açúcar. Naquela época, os engenhos exigiam grandes investimentos iniciais para sua construção, o que por si só já constituía uma importante barreira aos novos entrantes. No entanto, somavam-se a estes custos os gastos adicionais para conseguir permissões e autorizações para a construção de novos empreendimentos. Comparando a facilidade de empreender na moagem de cana entre a China e o Brasil, João Rodrigues protesta:
“Entre nós para estabelecê-los [os novos engenhos] na própria casa, cumpre beijolar ao Governador, peitar o Ouvidor e o Escrivão da Comarca, os quais sem exorbitantes salários não vão fazer a indispensável vistoria, que deve proceder a informação!”
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.57
A restrição de criação de novos engenhos tinha impacto direto nos produtores de cana-de-açúcar, pois, segundo o desembargador, muitos deles não conseguiam moer toda a cana produzida, a qual acabava estragando e era descartada. Além disso, se existem muito produtores em relação ao número de engenhos, os donos destes são capazes de obter uma renda extra fruto do poder de monopólio sobre a moagem.
Sobre o terceiro item das Liberadidades, o de “mandar vender em qualquer lugar, por qualquer caminho…”, João Rodrigues de Brito é exaustivo em seus exemplos. Em particular, ele conta o problema que os criadores de gado tinham na hora de vendê-lo. Para chegar na cidade, toda a “carne verde” precisava passar por uma mesma estrada com o intuito de facilitar a fiscalização. A estrada era precária e como estava frequentemente abarrotada de gado, as pastagens já eram ralas. Além disso, a ausência de pontes para atravessar os rios no meio do caminho, faziam com que parte do rebanho fosse perdido no processo. Para complicar mais a situação, caso fosse observada uma redução do rebanho em relação ao primeiro posto de inspeção, esta deveria ser justificada ao Superintendente da Feira, o qual era responsável pela fiscalização.
Ao chegar na cidade, segundo o desembargador, a situação piora, pois os donos do rebanho entregavam o produto aos “marchantes”, os quais tinham o privilégio de escolher o açougue, o responsável pelo corte e a balança em que a carne seria pesada. Ou seja, todo esse processo fugia do controle dos donos do gado. Esses intermediários oficiais eram artificialmente escassos e, nessa condição, conseguiam extrair rendas extraordinárias de ambos os lados da negociação. Segundo os relatos do desembargador, o mercado todo era ineficiente. Os açougues públicos matavam os animais e faziam a distribuição da carne entre os “talhos”. Os talhos eram estabelecimentos menores que vendiam a carne dos açougues. Nem todos os talhos podiam operar o tempo todo, apenas talhos especiais tinham esse privilégio. A maioria deles precisava de uma autorização da Câmara de Vereadores para começar a vender. Como o processo era lento e o produto era perecível, a carne que não conseguia ser distribuída rapidamente invariavelmente via seu preço despencar.
O ponto quatro elencado por João é relacionado aos demais, na medida em que reforça a importância da liberdade de vender o produto a quem quer que seja. Segundo o desembargador, a Câmara de Vereadores havia definido apenas oito indivíduos autorizados a negociar carne na cidade em nome dos proprietários. A explicação de João de Brito sobre os problemas dessa limitação é didática:
Os atravessadores não são úteis senão quando o seu número é indefinido sem limitação alguma, porque a própria concorrência de uns impede os outros de se locupletarem com ganhos exorbitantes, que só não o são quando qualquer outro Cidadão pode correr a participar deles, fazendo livremente o mesmo giro; mas restringir o número dos concorrentes é monopolizar o comércio do gênero.
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.76
Lendo o relato de João Rodrigues de Brito, tem-se clara a impressão de que em 1807 a capitania da Bahia era tomada por uma série de leis e regulamentos cujo efeito prático para aquela região era reduzir a produtividade de sua economia. A motivação para boa parte desses regulamentos e restrições era de natureza fiscal. A coroa portuguesa precisava maximizar sua receita com impostos e garantir a fidelidade de seus súditos além mar. O jeito de fazer isso era privatizar a fiscalização, concedendo privilégios de fiscalização aos membros da elite, os quais fariam a coleta de impostos. Essa situação, apesar de prejudicial para a economia, gerava oportunidades para que a autoridade e a elite local conseguisse extrair renda do setor produtivo.
Facilidades
Nessa parte do relato, João Rodrigues de Brito escreve sobre problemas que dificultam o comércio e a produção ao aumentarem os custos de transação da economia. O que o desembargador chama de “Facilidades” são obras e instituições que complementam a Liberalidade ao facilitar o processo mercantil reduzindo custos. Dentre os pontos levantados por ele, alguns temas são especialmente interessantes como, por exemplo, transporte, crédito e capitais, bem como o funcionamento da justiça.
O problema de transporte especialmente era grave no recôncavo baiano:
"A primeira [obra], com que o Governo de qualquer país a deve favorecer, é a construção, e conservação das pontes, e barcas para a passagem dos rios, estradas (...) Estas obras nos faltam absolutamente, e estamos reduzidos àquelas facilidades que a natureza por si mesma nos fornece, ou a indústria d'alguns particulares (...) Uma grande parte do ano cessam inteiramente as comunicações por terra, não só ondes o rios atravessam os caminhos, mas no próprio centro do Recôncavo por causa de invadeáveis atoleiros."
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.82
O diagnóstico de João Rodrigues de Brito é o mesmo de tantos outros da sua época, e apenas corrobora as teses de William Summerhill e Nathaniel Leff sobre um dos entraves centrais ao desenvolvimento da economia brasileira no século XIX.
Sobre o crédito, o desembargador adverte contra a tentação de fixar a taxa de juros da economia em um patamar muito abaixo da “taxa de juros natural”:
“A taxa de juro não só impede a introdução dos capitais estrangeiros, mas faz que o Lavrador, nem esses poucos que existem, possa conseguir; por que os capitalistas acham para eles emprego mais lucrativo que o juro da Lei.”
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.104
Além da limitação da taxa de juros, João Rodrigues de Brito explica os problemas gerados pelas leis que impediam que os engenhos fossem tomados pelos credores em caso de default dos Senhores de Engenho. Diante da ausência de garantias reais, a disposição a emprestar seria muito menor:
"Mas este remédio [a proteção do engenho contra execução] veio ainda agravar o mal; porque lhe aumentou as causas, que consistiam na dificuldade de obterem capitais, e na facilidade de dissiparem em superfluidades os que possuíam.
Vaidosos com esta prerrogativa, que parecia realçar o lustre do seu título de Senhor de Engenho, elevando-o à qualidade de morgado, ele não receou mais a pobreza e uma porção de fundos, que devia converter em capitais (...) foi reservada para seu serviço pessoal.
Por outra parte a consideração do privilégio aterrou os capitalistas com a feia perspectiva da maior dificuldade de reembolsarem os fundos que emprestassem. Em consequência muitos fugiram de contratar com uma classe de homens, que a Lei privilegiou com a faculdade de serem caloteiros impunemente."
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.106-107
Sobre a matéria da justiça, o desembargador faz o seguinte diagnóstico:
“Outra causa não menos poderosa, que também influi para a mesma estagnação dos capitais, e consequente aumento do seu juro, é a longa duração dos pleitos, o qual grandemente auxilia os caloteiros para que jamais os Capitalistas possam realizar a cobrança do seu dinheiro sem incômodos intoleráveis;”
No sistema legal da época, vigorava o pagamento de emolumentos judiciais. Os integrantes do judiciário recebiam valores proporcionais ao número de procedimentos e processos que a causa em questão gerava. Aqui talvez temos um dos parágrafos mais engraçados da resposta do desembargador:
O sistema emolumentário faz que todos os empregados na administração da Justiça tenham interesses em multiplicar, complicar e prolongar os processos; porque quanto mais estes se multiplicam, complicam e prolongam, mais crescem assinaturas para os Julgadores, alegações para os Advogados, escritas para os Escrivães, e salários para os solicitadores; sendo assim interessados em desunir, e enredar os Cidadãos. “Deus desavenha quem nos mantenha”. Eis aqui a oração matutina que lhes inspira o tal sistema emolumentário.
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.116
“Deus desavenha quem nos mantenha”, ou seja, quanto pior para o cidadão, melhor para os membros do judiciário. Além da eficiência da justiça, João Rodrigues de Brito se preocupava com a segurança jurídica:
Mas não basta que os processos sejam breves, cumpre também que as decisões sejam justas; porque sem isto não se obtêm uma perfeita segurança dos direitos de propriedade, e do cumprimento dos contratos, que é o primeiro objeto da sociedade civil, e o mais interessante dos auxílios com que um governo pode facilitar aos Lavradores o exercício da sua indústria, e a livre circulação dos capitais.
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.118
Instruções
Nesta parte, João Rodrigues explica a importância da educação para incrementar a produtividade da economia daquela capitania. Em particular, o estudo da economia e das ciências físicas, a qual pode melhorar os processos de produção. Para resolver a falta de instrução, segundo ele era preciso:
… dissipar as trevas da ignorância, ordenando que todas as pessoas de ambos os sexos saibam ler, escrever, e contar; estabelecendo (...) um bom sistema de estudos.
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.132
Sobre as ciências físicas:
“Para se formar uma ideia da importância, e ao mesmo tempo da falta que temos dos seus conhecimentos, basta comparar os antigos produtos do Engenho da Ponta com os que dele extrai atualmente o seu novo proprietário (...)
Pela primeira reforma de fornalhas aproveitando melhor o açúcar, economizou dous terços da lenha cuja despesa montava a mais de três mil cruzados cada ano.”
— A Economia Brasileira no Século XIX, p.126
O capital humano aumentava a produtividade da economia, não só aumentando a produtividade dos indivíduos, mas também permitindo maiores avanços no progresso técnico.
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[MUSIC CUE: “I Got You Babe” by Sonny and Cher]
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Já estivemos aqui antes
["I Got You, Babe" está tocando. Phil bate no rádio-relógio para desligá-lo. Ele fica lá por um momento, então se levanta pesadamente fora da cama, sem vontade de repetir o dia mais uma vez. Com o rádio desligado, Phil repete a rotina matinal dos DJs, aparentemente pela milionésima vez.]
A resposta de João Rodrigues de Brito tem uma relevância histórica, pois contém uma das primeiras análises econômicas a respeito da economia brasileira, ainda que circunscrita ao recôncavo baiano. Além disso, ela também tem relevância para a investigação das causas do nosso atraso econômico. O relato do desembargador ilustra que diversos de nossos problemas institucionais estavam presentes antes mesmo do Brasil ser independente. Leis e regulamentos, burocratas e fiscais que deprimem o retorno econômico das atividades, e distorcem preços relativos estão presentes em toda a história brasileira. As limitações das taxa de juros e as garantias reais sempre foram um problema. O judiciário sempre foi moroso, ineficiente e sempre serviu a si próprio. O acúmulo de capital humano sempre foi aquém do necessário.
Duzentos e dezesseis anos se passaram e muitos dos problemas apontados por João Rodrigues persistem. Evidentemente, o Brasil teve avanços importantes desde 1807: nossos mercados são mais eficientes, nosso povo mais alfabetizado, nosso mercado de crédito mais desenvolvido e, claro, no dia 13 de maio de 1888 a Lei Áurea aboliu a escravidão. Mesmo assim, é difícil não ter a sensação de familiaridade ao ler as análises do desembargador. Um sentimento de “já estivemos aqui antes”, os problemas econômicos do Brasil de 1807 são parecidos com os de 2023. De certa forma, pelo menos na economia, o Brasil vive sempre o mesmo dia — todo dia.
Referências:
Brito, Rodrigues de. A economia brasileira no alvorecer do século XIX. Brasil: Progresso, 1923.
Apenas trinta e um anos depois da Riqueza das Nações ter sido publicado por Adam Smith.
Isso me faz lembrar nos dias de hoje os artigos de economia que falam sobre as consequências econômicas do aborto. Ver Miller, Wherry e Foster (2022) ou a infame e clássica série de artigos sobre aborto e criminalidade, cujo artigo mais recente é Donohue e Levitt (2020). Um ato imoral continua sendo imoral mesmo que possa ter impacto “positivo” sob certas variáveis socioeconômicas.